sábado, abril 08, 2023

10 músicas para ressuscitar com Cristo

“Assim como em Adão todos morrem, assim em Cristo todos reviverão.” (I Cor 15,22).

Aproveitando esse Sábado Santo, Sábado de Aleluia, nossa Vigília Pascal e fim do nosso Tríduo, deixo com vocês umas musiquinhas que nos podem acompanhar rumo à ressurreição; de, com e por Jesus Cristo. A ordem, assim como no post sobre músicas positivas, é baseada na minha lógica pessoal que não significa ranking, mas sim um caminho de aprofundamento na espiritualidade. 😂

1. O clássico: Um Certo Galileu

Essa obra-prima de Padre Zezinho é um clássico da Páscoa, da mesma forma que Então É Natal, de Simone, é do mês de dezembro. Aquela conta, resumidamente, obras, condenação e morte de Nosso Senhor e, independentemente de em que ramo cristão nos inserimos, embala nossas Semanas Santas.

O sacerdote compositor é, de fato, um especialista do ecumenismo.

Saiamos um pouco do convencional

2. Fluindo em Mim (part. Fátima Souza) - Gil Monteiro

O primeiro passo para entrarmos em contato profundo com o Cristo é abrirmos nossa alma para ele.

É dizer-lhe, sem vacilar, que queremos: refugiar-nos nele; ser íntimos dele, de seu sofrimento e de sua glória; adorá-lo de corpo e alma; derramar aos seus pés tudo que há em nós para que, vazios de nosso próprio eu egoísta, possamos encher-nos do seu Amor; entregar-nos à sua vontade; renunciar à nossa vontade; carregar o seu fardo, que certamente é mais leve que o nosso sem ele (MT 11,28-30).

3. Ninguém Te Ama Como Eu

Essa tem umas 300 mil versões, de tão maravilhosa que é, de modo que não sei quem a criou. Todavia, é uma das músicas católicas mais lindas e tocantes e revela-nos porque Cristo veio ao mundo e sacrificou-se.

É só entendendo que foi por nós que tudo isso aconteceu que estaremos seguros de que podemos ressuscitar com ele e de que devemos esforçar-nos para isso.

4. A Promessa - Cley Souza

Após conhecermos a razão do sacrifício e o Amor de Cristo, devemos saber que, apesar de sobrenatural, ele é acessível a nós, ele está muito próximo. Essa música fala, precisamente, sobre a beleza e sobre o valor do Sacramento da Comunhão.

5. Sangue Redentor - Comunidade Recado

Essa música é, ao mesmo tempo, um reconhecimento que o cristão realiza a respeito do valor do sacrifício de Cristo e uma oração suplicando que esse sangue derramado proporcione a saúde e a pureza necessárias à alma. Em linha muito similar, caminha também Corpo Santo, de Fátima Souza.

6. Belíssimo Esposo - Comunidade Católica Shalom

Todos os cristãos têm Cristo por esposo. Caro(a) leitor(a), se você for heterossexual e/ou casado(a), deve estar com vários pontos de interrogação em sua cabeça. Sim, Cristo tem sua Igreja por sua esposa.

Somos parte de seu corpo como os esposos pertencem um ao outro de corpo e alma (Ef5,23-32), somos os membros e Cristo é a cabeça (1 Cor 12,12-27).

E essa música é uma profunda declaração de Amor, ao qual se chega após compreender e sentir o Amor de Cristo, e deixar-se comover e transbordar por ele. É também uma oração que pede por nossa ressurreição.

7. Ensina-me - Ministério Anunciação

Antes de ressuscitarmos como Cristo, é necessário que saibamos morrer como ele. É isso que, inusitadamente, pede essa música. Afinal, quantas vezes colocamos nossa vida material acima de nosso bem espiritual? Quantas vezes queremos ter razão e privilégios sobre essa terra? Não foi assim que ele procedeu.

8. Jesus Ressuscitado - Celina Borges

Finalmente, chegamos à Ressurreição de Jesus. E nela celebramos! Ele venceu a morte!

9. Hoje Livre Sou - Ministério Adoração e Vida

Se estamos aqui, escrevendo e lendo, é porque ainda não atravessamos a morte física e as mortes que enfrentamos, diariamente, são espirituais, frutos de correntes nocivas e da nossa luta para libertarmo-nos.

Com a Ressurreição do nosso Deus, celebramos a nossa vitória também sobre as escravidões que nos aprisionam de diversas formas ao longo de nossas vidas.

10. Te Amarei, Senhor

Ok, eu sei que essa música é do Pe. Zezinho, mas eu já o mencionei acima e prefiro a versão da Irmã Kelly Patrícia (risos).

Após ressuscitarmos com o Cristo e por ele, somos chamados a segui-lo e imitá-lo constantemente. A ressurreição que devemos buscar, enquanto estamos sobre chão que passará, é esta: ressurgir do pecado, dispondo-nos a replicar o exemplo de Jesus em nossas vidas, graças à força que ele nos dá por meio do seu Espírito Santo consolador.

Feliz Páscoa!

Que Deus Pai, Filho e Espírito Santo esteja com você e sua família! Compartilhe essas dicas de músicas com aqueles que você ama e quer ver ressuscitar também com o Cristo! Até a próxima semana, sempre no mesmo horário (19:00, Brasília)!

sábado, abril 01, 2023

Como água para chocolate: John Brown e o amor verdadeiro

Capa de Como Água para Chocolate
Divulgação / Amazon

Como um dos piores livros que já li contém o melhor personagem literário que já conheci? Li o livro em espanhol aqui, por causa de um curso, mas vocês podem lê-lo em português por aí.

Minhas opiniões, tanto sobre o livro quanto sobre o personagem, não são acadêmicas. São subjetivas mesmo, embora críticas e reflexivas. E, como vou analisar um personagem específico, não dá pra fugir de spoilers.

Sinopse do livro

De acordo com a Amazon:

“UM LIVRO QUE EVOCA EMOÇÕES, SABORES E AROMAS POR MEIO DE PALAVRAS

É na cozinha que Tita, a protagonista, passa a maior parte do tempo. Sua vida está relacionada aos pratos que afetuosamente prepara. Este romance narra a história de Tita desde o seu nascimento em um rancho no norte do México, com destaque para sua juventude, o amor por Pedro, e a missão de cuidar da dominadora Mãe Elena.

O tempero combina a revolução mexicana no início do século XX com o realismo fantástico marcante na literatura latino-americana. Uma obra para ser apreciada em todos os sentidos.”

Amor sentimento x amor decisão

O livro está constantemente opondo a sobriedade, a dedicação, a serenidade, a sensibilidade e o carinho à libido, afirmando que esta última é “o verdadeiro amor”, em vez do somatório dos demais.

Mas o que é o amor?

O conceito de amor é extremamente polissêmico. Pela lógica das afirmações e por minha escolha pela Igreja Católica como religião (inclusive esta em decorrência daquela), concordo com as palavras do saudoso Papa Bento XVI na encíclica Deuscaritas est, dentre as quais vale destacar:

“Dois dados resultam claramente [...] sobre a concepção do eros na história e na actualidade. O primeiro é que entre o amor e o Divino existe qualquer relação: o amor promete infinito, eternidade — uma realidade maior e totalmente diferente do dia-a-dia da nossa existência.

E o segundo é que o caminho para tal meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto. São necessárias purificações e amadurecimentos, que passam também pela estrada da renúncia. Isto não é rejeição do eros, não é o seu « envenenamento », mas a cura em ordem à sua verdadeira grandeza.

Isto depende primariamente da constituição do ser humano, que é composto de corpo e alma. O homem torna-se realmente ele mesmo, quando corpo e alma se encontram em íntima unidade; o desafio do eros pode considerar-se verdadeiramente superado, quando se consegue esta unificação.

Se o homem aspira a ser somente espírito e quer rejeitar a carne como uma herança apenas animalesca, então espírito e corpo perdem a sua dignidade. E se ele, por outro lado, renega o espírito e consequentemente considera a matéria, o corpo, como realidade exclusiva, perde igualmente a sua grandeza.

O epicurista Gassendi, gracejando, cumprimentava Descartes com a saudação: « Ó Alma! ». E Descartes replicava dizendo: « Ó Carne! ». [3] Mas, nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma.

Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade, é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o amor — o eros — pode amadurecer até à sua verdadeira grandeza.”

Assim, amor é a união entre alma e corpo, é prazer e vontade, é instinto e moderação, é deleite e renúncia, é acolhida e entrega, é respeito e fidelidade.

Tita e Pedro são dois idiotas, um mais que a outra

Nas concepções atuais, o idiota seria John porque, simplesmente, decidiu amar.

De fato, muita gente, ao ler o livro, gosta do casalzinho fútil por seus atos “revolucionários” e por sua luta pela “liberdade” (aqui se entenda libertinagem). Por melhores que “sejam” as ideias “revolucionárias”, a luxúria do casal não convence. Eles não tem o menor vínculo real e nem a relação nem Pedro tem desenvolvimento.

Tita, por sua vez, tem a liberdade de refletir, tem consciência de várias possibilidades e do caminho melhor a seguir, mas opta pelo impulso, demonstrando uma falta de compromisso e de amor consigo mesma. Pedro não a merece e ela, por sua vez, não merece o amor de John.

No que diz respeito ao verdadeiro amor, o casal limita-se à libido: não há alma – intimidade real sobre os sentimentos e as convicções de cada um -, nem vontade – Pedro acaba casando-se com Rosaura e Tita quase se casa com John -, nem moderação – é tudo carne.

Não há também renúncia – os sacrifícios que fazem não são um pelo outro, mas por outras pessoas envolvidas, como Rosaura e John -, respeito – ambos tratam-se como objetos, corpos desvinculados das almas que de fato os tornam individuais – ou fidelidade.

A relação entre John e Tita

John Brown era o médico da família mesmo antes de que os fatos narrados no livro tivessem início. Porém, era apenas isso e nada mais. Até porque ele já fora casado – embora isso não seja um impedimento nas histórias das personagens dessa trama – e a morte de sua esposa fechou-o para o amor.

E foi num dia de março, na transição do inverno para a primavera no Hemisfério Norte, que os dois se reencontraram e de uma forma diferente. John viu Tita de uma forma que não a vira anteriormente: uma bela mulher, mais que uma paciente. Mas ela continuava a vê-lo apenas como um profissional, devido a sua paixão por Pedro.

Mas os sofrimentos cada vez mais intensos de Tita levaram-na a agir como louca e o doutor Brown, responsável por tratá-la, começou a aproximar-se cada vez mais. Distintamente do que lhe encarregara a mãe de Tita – de jogá-la num manicômio -, o médico levou a moça para sua casa e dela cuidou carinhosa e dedicadamente.

E, até mesmo quando ela lhe causou as maiores dores sentimentais e não lhe foi digna, ele a respeitou. Ele amou o ser humano que havia nela, apesar de suas imperfeições.

O amor nos resgata

“Esas manos la habían rescatado del horror y nunca lo olvidaría.” (Laura Esquivel)

Talvez seja realmente isso o amor, um resgate. Resgate dos perigos, dos erros, das prisões, das compulsões, do desânimo, da falta de sentido... Um resgate do outro, um resgate de si mesmo(a).

John acolheu Tita em seus piores momentos – físicos e morais - e da melhor forma, e dela nada esperou. Eis o amor de Cristo, um amor que dizemos sentir, mas nunca lhe chega aos pés.

“A fonte da alegria cristã é esta consciência de ser amado por Deus, […] com amor apaixonado e fiel, um amor que é maior que a nossa infidelidade e os nossos pecados, um amor que perdoa”. (Papa Bento XVI)

“John, a paz, a serenidade, a razão”

Eis as descrições atribuídas a John e eis o que o amor deve-nos proporcionar. Ao longo do livro, o que se chama de “amor verdadeiro” é, na verdade, o prazer meramente carnal, a luxúria, o sexo decorrente de atração física sem a coragem necessária para a entrega completa.

A fala mais linda

Ao mostrar a Tita um experimento com fósforo, John lembrou-se de uma teoria de sua avó, hipótese que relatou à jovem enferma. E palavra alguma que eu disser servirá para explicá-la melhor que ela mesma, então vamos à citação integral:

“Minha avó tinha uma teoria muito interessante: dizia que ainda que nasçamos com uma caixa de fósforos em nosso interior, não podemos acendê-los sozinhos porque necessitamos, como no experimento, de oxigênio e da ajuda de uma vela. Só que neste caso o oxigênio tem de provir, por exemplo, do alento da pessoa amada.

A vela pode ser qualquer tipo de alimento, música, carícia, palavra ousom que faça disparar o detonador e assim acender um dos fósforos. Por um momento nos sentimos deslumbrados por uma intensa emoção.

Se produzirá em nosso interior um agradável calor que irá desaparecendo pouco a pouco conforme passe o tempo, até que venha uma nova explosão para reativá-lo. Cada pessoa tem de descobrir quais são seus detonadores para poder viver, pois a combustão que se produz ao acender-se um deles é o que nutre de energia a alma.”

“Agora só lhe servia como um cão de guarda, como guarda-costas, sem se afastar dela um só segundo”

Essa é, na verdade, uma menção honrosa ao sargento Treviño, o eterno apaixonado por Gertrudis. Na verdade, ele não é apenas apaixonado: ele a ama. Vale a pena conhecê-lo nos poucos momentos em que aparece.

Por hoje é só!

Antes de ir, conta pra mim:

  • Já amou e odiou um livro ao mesmo tempo? Por quê?
  • Conhece um personagem melhor que el doctor Brown para me indicar?

Continua ligado(a) nos posts, que vêm muitos livros e muitas séries por aí. Talvez até alguns filmes!

sábado, março 25, 2023

Instagramada: crônica baseada no conto O Espelho, de Machado de Assis

Introdução

símbolo de instagram
Pixabay
Gente, se esse é um blog pra falar de arte, então que tal fazer e mostrar arte? Resolvi compartilhar com vocês uma crônica que escrevi para um trabalho da faculdade. A proposta era, a partir da leitura de um clássico dos contos, escrever um novo texto literário e justificar a relação entre ambas as obras. Inclusive, foi dado como exemplo esse trabalho acadêmico.

Com vocês, a crônica Instagramada e sua justificativa. Recomendo a leitura do conto, após a crônica, antes de ir à justificativa.

Obs.1: esse não foi um trabalho publicado anteriormente. Foi apenas objeto de avaliação de uma disciplina realizada em 2022 (para o  qual, inclusive, recebi um 10), então não infrinjo a ética acadêmica aqui. Aliás, devido ao meio de circulação distinto, os textos contêm pequenas alterações.

Obs.2: não deixarei sinopses com vocês hoje. Ambas as leituras são curtinhas. Só o que digo é que o clássico vale muito pra nossa alma e espero que meu amadorismo sirva também!

Instagramada

Ela era o orgulho de seus pais. Era bonita e arrumada, estava-se formando em Direito por uma universidade pública e concorrida, era assistente administrativa concursada de um grande banco, ia à igreja, tinha um namorado promissor e uma vida social agitada.

As redes sociais, repletas de seguidores, refletiam o dia a dia pleno da jovem e recebiam muitas curtidas, às vezes com comentários, às vezes sem. Não que as pessoas não quisessem comentar.

(Afinal, num divã de psicanalista, ninguém tem algo a dizer já no primeiro momento; nas calçadas do vizinho e atrás de uma tela, porém, as bocas e os dedos são ávidos por pronunciamentos repentinos e imprudentes.)

O que acontecia era que a moça censurava automática ou manualmente alguns comentários de suas publicações, desativando essa função por inúmeras vezes. Ela já se vira às voltas com haters e tomava suas precauções para que a vida não fosse tóxica. E era aquele o caminho, e tudo dava certo.

Só que parece que a vida escolhe um tempo para impor suas reviravoltas. E tudo passa, até mesmo a alegria. E às vezes só se percebe quando já é tarde.

Primeiro foi o namoro ideal que ruiu; depois, quando ela tentava admissão na OAB pela primeira vez, não obteve a tão sonhada aprovação; por fim, quando ela buscava afogar as mágoas nos braços de seus admiradores virtuais, descobriu que um infeliz posicionamento político, durante período eleitoral de grande tensão, roubou-lhe um considerável número de discípulos.

Já não tinha ânimo para se arrumar, já não tinha forças para trabalhar, já não tinha vontade para estudar, já não tinha razões para rezar. Já nem sequer se interessava em socializar, fosse presencial ou virtualmente. Já não era o caminho, e nada dava certo.

Aconselhada pelos pais, dos quais ela ainda conservava um bom (mas não orgulhoso) olhar, ela buscou ajuda psicológica. Descobriu que se escondera sob um amontoado de máscaras que eram incompatíveis com a sua identidade e que, paulatinamente, esquecera-se de sua essência e dissipara-se na imagem divulgada.

Ela descobriu que não amava o namorado que a deixara e que fora melhor assim, visto que, para sustentar durante anos um relacionamento com o rostinho bonito de um engenheiro bem sucedido, renunciara desde a fúteis caprichos até a necessidades profundas, intoxicando-se pelo egocentrismo do parceiro.

Descobriu também que se acomodara a uma carreira pública de nível médio por causa de sua menor instabilidade e que seu maior desejo como profissional, na verdade, era justamente o que a movia nas redes sociais: a fotografia.

Descobriu, igualmente, que se deixara levar pelo suposto status da advocacia sem que aquilo lhe preenchesse minimamente o mais íntimo desejo de agregar sentido a sua vida.

Descobriu, enfim, que não precisava de aprovações alheias para ser feliz e que elas não seriam suficientes para que ela, Elisa, pudesse sentir-se bem consigo mesma.

Agora, ela recomeça a lutar. Já tem vontade para se arrumar, já tem uma boa profissão para se dedicar, já tem novos conteúdos para estudar, já tem esperanças para rezar. Até já tem desejo de socializar, mais presencial que virtualmente. Elisa não é só o orgulho de seus pais, mas também é a filha. É um novo caminho, e tudo vai dar certo.

Justificativa

“Instagramada” é um neologismo usado para falar de publicações em geral feitas por usuários da rede social Instagram. Atualizando a problemática da identidade humana, a crônica por este termo intitulada visa dialogar com o conto O Espelho, de Machado de Assis.

Ambos os protagonistas, Jacobina e Elisa, constroem e descobrem suas identidades a partir da alteridade (relação com o outro) e do status social.

Contudo, enquanto aquele se encontra, primeiramente, nos elogios de seu círculo íntimo e, posteriormente, no fardamento militar (explicado por Alfredo Bosi em O duplo espelho em um conto de Machado de Assis), esta se entende tanto por meio dos likes que recebe em sua rede social quanto pelo relacionamento amoroso e pela carreira que contribuíram para a aquisição das curtidas.

Além disso, ao passo que o autor carioca é sutil em sua mimesis (representação da realidade por meio da arte), a cearense que escreve agora é mais escrachada em sua sátira (narrativa crítica).

Isso acontece por alguma razão, seja por uma curta experiência literária, seja por influência do sarcasmo desvelado de Aluízio Azevedo em O Mulato (cuja leitura atenta tem realizado), seja porque o momento político em que vive no Brasil exige palavras claras e autênticas.

Assim, enquanto aquele recorre à História para nomear seu protagonista – evidência detalhada pelo artigo REFLEXOS DO MEDO NA MODERNIDADE: UMA LEITURA DE "O ESPELHO" [...] -, esta vale-se predominantemente de uma dêixis (referência que se interpreta com o contexto de leitura) - vaga e constantemente atualizável ao gosto do leitor - para atribuir um elo comum aos fatos de sua trama.

Da mesma forma, enquanto a alma exterior de Jacobina modifica-se numa linearidade em relação ao tempo, a “alma exterior” da personagem “instagramada” é difusa, oscilando entre as visões do namorado, da família e dos seguidores virtuais.

Outra distinção entre os escritos diz respeito ao desfecho das personagens: segundo Bosi, Jacobina resignou-se ao olhar social e o peso de sua alma exterior tornou-o [...] casmurro e cáustico; “ela”, em contrapartida, aprende que sua identidade constrói-se, sim, a partir do que a diferencia [...] e de seu papel social, mas não se reduz ao olhar subjetivo daqueles que a cercam.

É nesse momento, inclusive, que o narrador permite-se falar o nome dela, do qual tanto parecia fugir, já que, inconscientemente, a própria Elisa buscava fora de si e numa realidade simulada o que não encontrava – ou tinha medo de não encontrar – dentro e nos contatos reais.

A propósito, o batismo da personagem é uma brincadeira com a Língua Portuguesa:

apesar de, em sua gênese (origem) semântica (significativa), não ter este significado, a intenção foi unir o pronome “ela” ao sufixo “-isa”, que atribui funções femininas – poetisa e profetisa, por exemplo -, mostrando que a personagem passa boa parte da crônica cumprindo a função de um ser dêitico (sem identidade própria) e regido pela visão subjetiva do outro.

Conclusão

E aí, gente, gostaram da minha historinha? Acham que eu dou para escritora ficcional?

Na próxima semana, volto com meus posts filosóficos / brisas de análise.