sábado, março 11, 2023

Conquistando a liberdade interior: um livro importante sobre algo ainda mais importante

Introdução

Uma representação para ideias
Pixabay
Sim, um livrinho de autoajuda. Por muito tempo, nutri sérios preconceitos contra esse tipo de Literatura. O problema dele é que, assim como na própria Psicologia, nele existem muitas opções e poucas delas de fato servirão para nós.

O post dessa semana não será uma análise, mas sim uma genuína indicação, por meio do relato de como Conquistando a Liberdade Interior, do Padre Adriano Zandoná (Canção Nova), tem sido mais uma peça no meu intenso, tenso e complexo processo de cura e libertação. Talvez, essa leitura possa também ajudar você.

Um pequeno adendo: não sei se posso chamar o que escrevi de relato. É uma série de perguntas, as quais serão respondidas com o auxílio do livro, desde que exista, por nossa parte, um sincero, concreto e profundo desejo de encarar com sobriedade nossas realidades.

Também não é um encadeamento linear de ideias: nem sempre estamos sistematizados o suficiente para que uma lógica programada penetre nossa mente. Primeiro, precisamos deixar as ideias fluírem, para depois as organizar. Sem a visão clara das ideias, ainda que bagunçadas, não se pode estruturá-las.

Pra quem não é católico e acompanha o blog, o livro é de fato escrito por um padre, mas isso não o reduz a aspectos dogmáticos. Pelo contrário: o autor vale-se da interdisciplinaridade, reunindo conhecimentos filosóficos, psicanalíticos e literários, para conduzir seu leitor pelo caminho da conquista da liberdade interior.

Sinopse

Capa de Conquistando a Liberdade Interior
Divulgação / Amazon

Extraída da Amazon:

“Ganhar asas, concretizar grandes sonhos, colecionar vitórias e realizações são o desejo de toda e qualquer pessoa. Todavia, ninguém será capaz de superar obstáculos e construir voos bem-sucedidos sem antes aprender a conquistar a liberdade dentro de si, curando as raízes de sua história e as aprofundando em terrenos que sejam fecundos e férteis.

Se as coisas não estão resolvidas dentro de nós, não há qualquer realidade exterior que possa nos apaziguar e trazer contentamento. Essa é uma incontestada e sóbria sentença. Quem não tem liberdade interior, ainda que tenha tudo, será um eterno fugitivo de si e de suas feridas, e não encontrará uma autêntica realização.

Liberdade interior é um trabalho artesanal, no qual o artista que trabalha a alma precisará compreender o acervo de experiências que compõe a sua trajetória, direcionando cada realidade para a beleza e a dureza da verdade que a pode libertar. Sem liberdade interior ninguém consegue ser aquilo que verdadeiramente é nem consegue desenvolver todos os seus talentos.

Neste percurso precisaremos romper com os rótulos e máscaras que os outros e nós mesmos construímos, declarando uma verdadeira luta por nossa independência interior.”.

Um falso autocontrole

Imagem ilustrativa de alguém jogando em frente a uma tv
Pixabay
Quantas vezes achamos que estávamos plenamente no controle de alguma situação e, na verdade, não estávamos? Quantas vezes caímos na inconstância e dissemos a nós mesmos “só hoje” e o “'hoje'” perdurou para sempre? Quantas vezes, em nome de uma falsa liberdade, tornamo-nos escravos de nossos impulsos e desejos momentâneos, os quais, posteriormente, trouxeram-nos enormes arrependimentos?

Quantas vezes já sabíamos que nos arrependeríamos, mas insistimos no erro?

A beleza da estiagem

Uma árvore em meio ao deserto
Pixabay
Quantas vezes pedimos, a um ser que considerássemos superior, que levasse nossos sofrimentos embora? Quantas vezes nos sentimos paralisados diante de circunstâncias adversas?

Certa vez, conversando com uma mentora, comentei que já me disseram que eu era mais madura que colegas da minha idade. Eu disse a ela que, por certo tempo, eu concordara; no entanto, depois de completar a maioridade, eu simplesmente sentia (e continuo sentindo) que essa visão não fazia mais sentido.

Contudo, de um ponto de vista mais saudável, a profissional explicou-me que a vida é como um espiral: quando sentimos que não estamos crescendo / subindo (evoluindo), na verdade é porque estamos passando por um lado da existência distinto daquele que vínhamos trilhando.

De fato, esse é um tempo de raízes, não de galhos. É necessário fincar raízes, a fim de suportar as turbulências que os novos galhos terão de enfrentar. Isso me lembra também a encíclica Salvifici Doloris, que já citei aqui no blog, no post sobre a Hiyajo de Steins;Gate 0.

Da mesma forma, é um tempo meio sem brilho, o que me lembra da libertação que nos proporciona a penumbra, mencionada no livro Siracusa, de Guilherme de Sá, objeto de reflexão também já explorado por aqui nesse post.

É engraçado que, enquanto escrevo, meus textos vão-se entrelaçando. Parece uma espécie de movimento de rotação, mas essas relações, na verdade, são sinal de que tudo tem um sentido. A vida é uma colcha de retalhos que vamos costurando sem sequer perceber.

A compreensão do que nos move

carro representando movimento
Pixabay
Graças às minhas idas e vindas a psicólogos, a conversas com outros profissionais da área de desenvolvimento humano, à minha própria experiência e, agora, a esse livro, percebo que o processo de cura interior, tão lógico e linear quanto ele possa ser, acontece nas seguintes etapas:

sentimento de que algo está errado; busca por ajuda; desejo de mudança; necessidade extrema de transformação (esgotamento); tomada de decisão; autoconhecimento; medo; relutância em aceitar o que há de mal em nós; aceitação; perdão a si e a outrem; resolução do problema.

A grande dificuldade é que, à exceção da primeira e da última etapa, todas as demais podem ser extremamente subjetivas e demoradas, e podem pausar o processo.

Uma das etapas mais importantes e mais árduas é, precisamente, o autoconhecimento, esse trabalho em que precisamos bancar o(a) jornalista conosco: “por quê? Como? Quando? Onde? Quem? Quanto? Se...”.

Uma coisa que o livro fez-me compreender foi que eu, particularmente, vinha questionando muito o “como” e o “se”, esquecendo-me do “por quê?”. Isso foi fruto de uma má compreensão minha a respeito da Terapia Cognitiva Comportamental. Posso dizer-lhes que, juntos, a tCC e este livro formam um divisor de águas para mim.

A TCC também me ensinou que devo sempre checar o que estou sentindo. Na minha visão, eu precisaria verbalizar para obter um feedback e o limite imperaria quando essa ação não fosse possível. Além disso, ao checarmos, nem sempre o outro está pronto para assumir a verdade, nem sempre o outro se conhece.

Pode ser que ele, assim como nós, ainda esteja num processo de autodescoberta, ou mesmo não queira encarar a verdade. Essa suposição pode manter o sentimento ruim e a crença negativa, perpetuando o problema.

Por isso, a ideia de perdoar-se e perdoar o outro, tomando mesmo a crença e o sentimento como verdades (ainda que, na realidade, não sejam), foi-me bastante eficaz. Não estou criticando o método da TCC. Sou ninguém pra isso! Mas há coisas que não funcionam especificamente conosco, porque cada um é um ser diferente, por isso exponho o que me ocorreu. Talvez essa mudança de perspectiva seja útil a alguém.

Às vezes, a tristeza fala mais que a alegria

"Reflitamos sobre os motivos que nos causam tristeza ou pesar, pois esses motivos revelam quais são nossos reais ‘tesouros’ e o que realmente buscamos na vida."

Esse é um trecho do livro que me fez pensar nas tantas vezes em que quis jogar a tristeza pra debaixo do tapete, acumulando-a em várias camadas, como um traste inútil do qual pesarosamente não me poderia livrar. A tristeza é um importante indicador para pensarmos até que ponto, tal como uma empresa, estamos seguindo nossa missão, nossa visão e nossos valores.

Afinal, como diz Abay (o fiel BFF do nosso Boran Genco - assunto do primeiro post do blog -) à sua querida Gizem:

“Sabia que, na História das religiões, as Histórias da Arte, da tristeza e da felicidade não são opostas uma à outra? Muita gente encontrou a felicidade na própria tristeza. Quem sabe, você encontrará a sua também.”.

Os vícios

Sempre acreditei que os vícios fossem fraquezas nossas e esse ponto de vista é extremamente negativo e danoso a nós, porque pensamos que é uma incompletude nossa que nada pode preencher, que nunca seremos capazes de superar. Todavia, o padre explica que, na verdade, um vício é uma grande força energética que temos e que foi mal direcionada.

E, para ser bem administrada, precisa ser focada no presente:

“[...] será necessário fixar a luta contra a dependência em cada dia específico, estabelecendo-o sem se preocupar em vencer o mal definitivamente de uma só vez. [...] E, então, apenas o dia de hoje será o campo de batalha no qual precisaremos nos empenhar, resistindo aos apelos do mal em nós.”.

Conclusão

É, meu povo. Por hoje é só. O resto, deixo com vocês e com o livro! Garanto que ele é bem melhor que meu texto e trará muitas mais revelações, as quais lhes serão fontes de libertação!

Compartilha o conteúdo e continua ligado(a) aqui no blog, sempre aos sábados, às 19 horas!

sábado, março 04, 2023

Siracusa, de Guilherme de Sá: uma catarse de salvação

Introdução

Capa do e-book
Divulgação / Amazon
Finalmente, vamos falar de livros! <3 E o melhor: literatura contemporânea e brasileira! <3

Esse é o texto mais difícil que escrevi até agora aqui no blog. Isso porque, sem dúvida, esse é um dos melhores livros que já li pelo bem interior que me causou e que ainda me causa (como um processo em andamento).

O interesse em sua leitura veio da importância que a banda  Rosa de Saron (da qual Guilherme de Sá foi vocalista até 2018) tem na minha vida, sendo minha trilha sonora nos melhores e nos piores momentos. Esse mesmo posto é ocupado atualmente também pelo cantor em sua carreira solo.

O autor admite e adverte que não é o melhor exemplo de uso gramatical e, de fato, comete alguns erros de sintaxe. Porém, não deixa de agregar linguisticamente, pois tem um léxico muito rico.

Além disso, a história contada no livro é profundamente envolvente e o escritor permite ao leitor vivenciar o início da trajetória de purgação de Santo Salafia – a qual, necessariamente sobrenatural para ser rápida, contribui com nossa lenta e natural conversão.

Obs.: texto livre de spoilers! Tal como no texto sobre Boran Genco, da novela Sila, minha intenção não é somente tratar de um tema; desejo persuadir mesmo à conferência da obra. Por isso, haverá no máximo algumas citações que não entregarão o enredo.

Isso não quer dizer que as outras obras analisadas não valham a pena, mas em outros momentos tive o intuito de tratar profundamente os temas específicos que elas continham, o que me impedia de fugir de spoilers.

 

Sinopse

 

Extraída do próprio site da Amazon (onde vocês conseguirão ler o livro gratuitamente, apenas tendo uma conta do Kindle):

"Siracusa é uma obra de ficção, que narra a história de Santo Salafia, um mafioso siciliano, que tenta fugir da morte iminente, enquanto trava uma implacável batalha espiritual. Em um suspense de tirar o fôlego, a história se passa no inverno de 1972, numa Sicília onde a tragédia caminha de mãos dadas com a fúria dos homens."

 

Catarse

 

Um dos mais importantes sustentáculos da cultura ocidental, Aristóteles, considera elevadas as obras capazes de causar esse efeito em seus leitores / espectadores. Ela é um elemento importante da tragédia, sobre a qual o filósofo discorre em sua Poética / Arte Poética.

Na verdade, a definição exata de catarse ainda é analisada e questionada até hoje, de modo que algumas traduções, como esta, adotam o significado de “purgação”, enquanto outras, como esta, optam pelo significado de “purificação” das emoções. De uma forma ou de outra, a obra catártica leva à mediania (moderação) das emoções e provoca uma transformação daquele que a vê.

 

A escrita como forma de catarse

 

Em sua Nota do autor, Guilherme afirma que sua escrita foi uma forma de libertar-se de todos os sentimentos ruins que lhe afetavam. De fato, como diz Elias Canetti em A Consciência das Palavras (ao qual fui apresentada por Rodrigo Gurgel em uma de suas newsletters por e-mail, intitulada Crie Muralhas):

“É quase inacreditável o quanto a frase escrita pode acalmar e domar o ser humano. A frase sempre é uma outra coisa, diferente daquele que a escreve. Ela surge como algo estranho diante dele, como uma muralha repentinamente sólida por sobre a qual não se pode saltar.

Talvez seja possível contorná-la mas, antes que se chegue ao outro lado, assoma, formando com essa, um ângulo agudo, uma nova muralha: uma nova frase, não menos estranha, nem menos sólida e elevada, convidando também a ser contornada. Aos poucos surge um labirinto, no qual o construtor ainda, mas com dificuldade, se reconhece.”.

Com efeito, Siracusa é denso e, ainda que seu autor seja católico, apresenta impropérios, os quais proporcionam um pouco mais de Realismo às situações retratadas.

O texto também não é linear, alternando entre passado e presente e entre fatos históricos e ficcionais, com atribuições ao século XX de eventos ocorridos no século atual – como forma de criticá-los – e mesclagem de discursos indiretos e diretos e de português e italiano.

Tudo isso é coerente com a turbulência real do autor e com a confusão ficcional do protagonista, dando vida e movimento ao texto, promovendo a imersão do leitor.

 

A leitura dos sinais

 

À medida que seu tempo parece-se esgotar e sua conversão progride, Santo observa sinais (naturais e sobrenaturais) que o conduzem pelo caminho correto. Nesses momentos, podemos lembrar as vezes em que Deus (a vida, o universo ou o que quiserem chamar) indicou-nos a direção ou revelou-nos mais uma peça do quebra-cabeças que é a realidade e não nos demos conta a tempo.

Esse livro (ou “livrinho”, como classifica o próprio autor) é mais uma obra que nos ensina a ficar alertas – ou, como diz Cristo em Mt 25,13:

“Vigiai, [...] porque não sabeis nem o dia nem a hora.”.

 

O que não se explica

 

Por mais alertas que estejamos, nem tudo que vivenciamos é completamente perceptível, compreensível ou palpável. Isso é exatamente o que se manifesta em muitas ações das personagens do livro e mostra que, apesar de sua liberdade para fazer escolhas, elas não são o topo da hierarquia. O ser humano não é um Deus de si mesmo e, ao tentar atingir esse nível, animaliza-se.

É a essa conclusão que Santo chega ao analisar sua vida pregressa.

 

Um inferno em vida

O inferno de Dante Alighieri
Divulgação / La Parola
Em dado momento, temos uma descrição do inferno em vários estágios e, embora fosse uma descrição material, por vezes se pode senti-la espiritualmente. Quantas vezes não sentimos a aridez, o desgosto, o vazio, o desespero, a ansiedade e a impotência de Santo Salafia?

“Toda esperança pareceu extinguir, fazendo com que a menor fagulha de felicidade se tornasse uma obsessão doentia. Tudo era carne, tudo se resumia a ser carne.” (p. 29);

“O homem agora estava paralisado. Pairava no centro da luz, rijo como aço. Tudo nele estava em estado de suspensão. Tornara-se um trasgo de gelo com olhos de pânico, assustadoramente esgazeados. Carne e alma estavam ambos liquidados, destinados ao limbo de lugar nenhum. Completamente sem vida. Uma morte dentro da morte.” (p. 32).

Juro que não foram spoilers!

E Deus nos livre de viver assim após essa vida!

 

A vingança

 

“— Ah, la vendetta! La vendetta resta una pulsione orribile anche quando si gonfia di ragioni...” (p. 36).

Essa parte mexeu muito comigo. Não vou dar contextos para não infringir o pacto antispoilers, mas quantas vezes não poderíamos ter resolvido uma situação por outro meio que não a Lei do Talião?

 

 “Eu sou um andarilho na penumbra. E a penumbra me liberta

 

Essa é uma declaração que aparece na página 67 e que é parafraseada em outros pontos do texto. É uma constatação ambígua, da qual creio que sejam apreensões possíveis:

  1. O personagem sente-se à vontade, devido ao costume, em sua escuridão (mal interior);
  2. Uma interpretação um tanto extrapolada em relação ao contexto: a escuridão, num sentido de ignorância, é libertadora;
  3. Minha preferida, por acreditar que seja a mais saudável e que não extrapola o sentido geral do texto: a vida não é feita só de luz. Para chegar-se a ela, é necessário passar pela escuridão.

 

O preço do poder e da paz

 

Entre as páginas 76 e 79, ao contar a história de Salvatore, o líder da Máfia Solarina, o autor faz-nos refletir sobre alguns aspectos, tais como a substituição de uma força opressiva por outra em nome de um discurso falacioso de liberdade, a harmonia a preço de sangue, o vício do poder, a manipulação, a falta de caráter, as injustiças da democracia e o enriquecimento às custas de tragédias.

 

A dor faz parte da vida

 

“A dor é minha companheira. A dor é minha confidente. E eu a sinto. E se eu a sinto, eu vivo. Eu morro e não a sinto mais...” (p. 98).

Esse trecho fez-me lembrar da Encíclica Salvifici Doloris, de São João Paulo II. Recomendo sua leitura em momentos difíceis, a cristãos e não cristãos! Nesses mesmos momentos, não nos esqueçamos:

“Os temporais são temporários.” (p. 99).

Por fim, mesmo quando nos sentirmos “uma célula infinitesimal, minúscula e irrelevante” (p. 132) diante dos desafios de nossas vidas, não paremos nunca – conforme nos ensina a música Casino Boulevard, do Rosa.

 

Conclusão

 

Ainda há muito que se dissertar sobre esse livro, mas deixo o resto com você. Espero ter-lhe dado um gostinho sobre a trama e sobre o estilo e despertado em você a curiosidade a partir desse trecho do meu fichamento.

Inclusive, é algo que lhe recomendo: ao ler uma obra que efetivamente lhe cause impacto, anote seus principais trechos. Não grife apenas, pois a escrita ajuda a fixar na memória e na alma.

Agora, pra concluir, conta aí:

• Já conhecia a banda Rosa de Saron, o vocalista Guilherme de Sá e/ou o livro Siracusa?

• Ficou interessado(a) em pesquisar mais sobre esses assuntos?

• Gostou dessa publicação?

• Tem algum comentário para agregar aos meus devaneios?

• Que outra obra você considera interessante para analisarmos?

Compartilha o conteúdo e continua ligado(a) aqui no blog, sempre aos sábados, às 19 horas! <3