Introdução
Finalmente,
vamos falar de livros! <3 E o melhor: literatura contemporânea e brasileira!
<3Divulgação / Amazon
Esse é o texto mais difícil que escrevi até agora aqui no blog. Isso porque, sem dúvida, esse é um dos melhores livros que já li pelo bem interior que me causou e que ainda me causa (como um processo em andamento).
O interesse em sua leitura veio da importância que a banda Rosa de Saron (da qual Guilherme de Sá foi vocalista até 2018) tem na minha vida, sendo minha trilha sonora nos melhores e nos piores momentos. Esse mesmo posto é ocupado atualmente também pelo cantor em sua carreira solo.
O autor admite e adverte que não é o melhor exemplo de uso gramatical e, de fato, comete alguns erros de sintaxe. Porém, não deixa de agregar linguisticamente, pois tem um léxico muito rico.
Além disso, a história contada no livro é profundamente envolvente e o escritor permite ao leitor vivenciar o início da trajetória de purgação de Santo Salafia – a qual, necessariamente sobrenatural para ser rápida, contribui com nossa lenta e natural conversão.
Obs.: texto livre de spoilers! Tal como no texto sobre Boran Genco, da novela Sila, minha intenção não é somente tratar de um tema; desejo persuadir mesmo à conferência da obra. Por isso, haverá no máximo algumas citações que não entregarão o enredo.
Isso não quer dizer que as outras obras analisadas não valham a pena, mas em outros momentos tive o intuito de tratar profundamente os temas específicos que elas continham, o que me impedia de fugir de spoilers.
Sinopse
Extraída do próprio site da Amazon (onde vocês conseguirão ler o livro gratuitamente, apenas tendo uma conta do Kindle):
"Siracusa é uma obra de ficção, que narra a história de Santo Salafia, um mafioso siciliano, que tenta fugir da morte iminente, enquanto trava uma implacável batalha espiritual. Em um suspense de tirar o fôlego, a história se passa no inverno de 1972, numa Sicília onde a tragédia caminha de mãos dadas com a fúria dos homens."
Catarse
Um dos mais importantes sustentáculos da cultura ocidental, Aristóteles, considera elevadas as obras capazes de causar esse efeito em seus leitores / espectadores. Ela é um elemento importante da tragédia, sobre a qual o filósofo discorre em sua Poética / Arte Poética.
Na verdade, a definição exata de catarse ainda é analisada e questionada até hoje, de modo que algumas traduções, como esta, adotam o significado de “purgação”, enquanto outras, como esta, optam pelo significado de “purificação” das emoções. De uma forma ou de outra, a obra catártica leva à mediania (moderação) das emoções e provoca uma transformação daquele que a vê.
A escrita como forma de catarse
Em sua Nota do autor, Guilherme afirma que sua escrita foi uma forma de libertar-se de todos os sentimentos ruins que lhe afetavam. De fato, como diz Elias Canetti em A Consciência das Palavras (ao qual fui apresentada por Rodrigo Gurgel em uma de suas newsletters por e-mail, intitulada Crie Muralhas):
“É quase inacreditável o quanto a frase escrita pode acalmar e domar o ser humano. A frase sempre é uma outra coisa, diferente daquele que a escreve. Ela surge como algo estranho diante dele, como uma muralha repentinamente sólida por sobre a qual não se pode saltar.
Talvez seja possível contorná-la mas, antes que se chegue ao outro lado, assoma, formando com essa, um ângulo agudo, uma nova muralha: uma nova frase, não menos estranha, nem menos sólida e elevada, convidando também a ser contornada. Aos poucos surge um labirinto, no qual o construtor ainda, mas com dificuldade, se reconhece.”.
Com efeito, Siracusa é denso e, ainda que seu autor seja católico, apresenta impropérios, os quais proporcionam um pouco mais de Realismo às situações retratadas.
O texto também não é linear, alternando entre passado e presente e entre fatos históricos e ficcionais, com atribuições ao século XX de eventos ocorridos no século atual – como forma de criticá-los – e mesclagem de discursos indiretos e diretos e de português e italiano.
Tudo isso é coerente com a turbulência real do autor e com a confusão ficcional do protagonista, dando vida e movimento ao texto, promovendo a imersão do leitor.
A leitura dos sinais
À medida que seu tempo parece-se esgotar e sua conversão progride, Santo observa sinais (naturais e sobrenaturais) que o conduzem pelo caminho correto. Nesses momentos, podemos lembrar as vezes em que Deus (a vida, o universo ou o que quiserem chamar) indicou-nos a direção ou revelou-nos mais uma peça do quebra-cabeças que é a realidade e não nos demos conta a tempo.
Esse livro (ou “livrinho”, como classifica o próprio autor) é mais uma obra que nos ensina a ficar alertas – ou, como diz Cristo em Mt 25,13:
“Vigiai, [...] porque não sabeis nem o dia nem a hora.”.
O que não se explica
Por mais alertas que estejamos, nem tudo que vivenciamos é completamente perceptível, compreensível ou palpável. Isso é exatamente o que se manifesta em muitas ações das personagens do livro e mostra que, apesar de sua liberdade para fazer escolhas, elas não são o topo da hierarquia. O ser humano não é um Deus de si mesmo e, ao tentar atingir esse nível, animaliza-se.
É a essa conclusão que Santo chega ao analisar sua vida pregressa.
Um inferno em vida
Em
dado momento, temos uma descrição do inferno em vários estágios e, embora fosse
uma descrição material, por vezes se pode senti-la espiritualmente. Quantas
vezes não sentimos a aridez, o desgosto, o vazio, o desespero, a ansiedade e a
impotência de Santo Salafia?Divulgação / La Parola
“Toda esperança pareceu extinguir, fazendo com que a menor fagulha de felicidade se tornasse uma obsessão doentia. Tudo era carne, tudo se resumia a ser carne.” (p. 29);
“O homem agora estava paralisado. Pairava no centro da luz, rijo como aço. Tudo nele estava em estado de suspensão. Tornara-se um trasgo de gelo com olhos de pânico, assustadoramente esgazeados. Carne e alma estavam ambos liquidados, destinados ao limbo de lugar nenhum. Completamente sem vida. Uma morte dentro da morte.” (p. 32).
Juro que não foram spoilers!
E Deus nos livre de viver assim após essa vida!
A vingança
“— Ah, la vendetta! La vendetta resta una pulsione orribile anche quando si gonfia di ragioni...” (p. 36).
Essa parte mexeu muito comigo. Não vou dar contextos para não infringir o pacto antispoilers, mas quantas vezes não poderíamos ter resolvido uma situação por outro meio que não a Lei do Talião?
“Eu sou um andarilho na penumbra. E a penumbra me liberta
Essa é uma declaração que aparece na página 67 e que é parafraseada em outros pontos do texto. É uma constatação ambígua, da qual creio que sejam apreensões possíveis:
- O personagem sente-se à vontade, devido ao costume, em sua escuridão (mal interior);
- Uma interpretação um tanto extrapolada em relação ao contexto: a escuridão, num sentido de ignorância, é libertadora;
- Minha preferida, por acreditar que seja a mais saudável e que não extrapola o sentido geral do texto: a vida não é feita só de luz. Para chegar-se a ela, é necessário passar pela escuridão.
O preço do poder e da paz
Entre as páginas 76 e 79, ao contar a história de Salvatore, o líder da Máfia Solarina, o autor faz-nos refletir sobre alguns aspectos, tais como a substituição de uma força opressiva por outra em nome de um discurso falacioso de liberdade, a harmonia a preço de sangue, o vício do poder, a manipulação, a falta de caráter, as injustiças da democracia e o enriquecimento às custas de tragédias.
A dor faz parte da vida
“A dor é minha companheira. A dor é minha confidente. E eu a sinto. E se eu a sinto, eu vivo. Eu morro e não a sinto mais...” (p. 98).
Esse trecho fez-me lembrar da Encíclica Salvifici Doloris, de São João Paulo II. Recomendo sua leitura em momentos difíceis, a cristãos e não cristãos! Nesses mesmos momentos, não nos esqueçamos:
“Os temporais são temporários.” (p. 99).
Por fim, mesmo quando nos sentirmos “uma célula infinitesimal, minúscula e irrelevante” (p. 132) diante dos desafios de nossas vidas, não paremos nunca – conforme nos ensina a música Casino Boulevard, do Rosa.
Conclusão
Ainda há muito que se dissertar sobre esse livro, mas deixo o resto com você. Espero ter-lhe dado um gostinho sobre a trama e sobre o estilo e despertado em você a curiosidade a partir desse trecho do meu fichamento.
Inclusive, é algo que lhe recomendo: ao ler uma obra que efetivamente lhe cause impacto, anote seus principais trechos. Não grife apenas, pois a escrita ajuda a fixar na memória e na alma.
Agora, pra concluir, conta aí:
• Já conhecia a banda Rosa de Saron, o vocalista Guilherme de Sá e/ou o livro Siracusa?
• Ficou interessado(a) em pesquisar mais sobre esses assuntos?
• Gostou dessa publicação?
• Tem algum comentário para agregar aos meus devaneios?
• Que outra obra você considera interessante para analisarmos?
Compartilha o conteúdo e continua ligado(a) aqui no blog, sempre aos sábados, às 19 horas! <3
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